2025-12-02
HaiPress

Escavadeira trabalha em mina no estado de Minas Gerais: mudança na regra poderia beneficiar uma dinâmica chamada de “especulação de títulos”,quando as empresas aguardam subida de preço para revender a outorga — Foto: Dado Galdieri/Bloomberg/23-6-2023
GERADO EM: 01/12/2025 - 22:46
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
CLIQUE E LEIA AQUI O RESUMO
O relatório da Medida Provisória do licenciamento ambiental,que será apresentado pelo deputado Zé Vitor (PL-MG) nesta terça-feira na comissão mista do Congresso,mantém o texto enviado pelo governo federal,mas aproveita o projeto de lei de conversão para reabrir a Lei Geral do Licenciamento e recolocar dispositivos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia barrado na sanção presidencial. O parecer amplia pontos de flexibilização que o Planalto tentou conter e consolida a linha aprovada pelos parlamentares após a derrubada de 56 dos 63 vetos na semana passada. Além disso,um “jabuti” incluído pelo relator — o jargão refere-se a temas não diretamente relacionados ao assunto central inseridos em propostas legislativas — beneficia diretamente o setor de mineração ao ampliar em até 12 vezes o prazo para início da extração.
Santa Catarina: Papai Noel é preso em shopping por estupro de vulnerávelInfluenciador: Thiago Schutz é alvo de novo pedido de prisão após denúncia de agressão e tentativa de estupro
Atualmente,a legislação diz que o concessionário,ou seja,quem conseguiu a autorização para a mineração,deve iniciar os trabalhos de lavra em até seis meses após a aprovação das instalações pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Se isso não acontecer,uma multa é aplicada. Após mais seis meses,se a situação persistir,o título caduca. Na prática,portanto,o prazo máximo é de um ano. Já o relatório da MP estende esse período para até seis anos.
Para autorizações de pesquisa,o prazo atual é maior,de três anos,renováveis por mais três. No parecer,o relator Zé Vitor padronizou o período para os dois tipos de título e incluiu a “penalidade de caducidade da autorização de pesquisa,ou da concessão de lavra quando,passados 6 (seis) anos da emissão do título,se não tiver sido iniciada a atividade”.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO apontam que a mudança na regra poderia beneficiar uma dinâmica chamada de “especulação de títulos minerários”,quando uma pessoa ou empresa,após conseguir a autorização oficial para mineração em determinada área,aguarda intencionalmente a subida de preços do minério para então revender ou repassar a outorga. A expansão da janela para começar a operação,assim,é vista como um fator que favoreceria a prática.
O título que pode ser vendido ou repassado é a autorização concedida pela ANM. Procurados,o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e a própria agência reguladora não se manifestaram. O deputado Zé Vitor também não respondeu sobre o motivo de incluir essa alteração no parecer.
Coordenador do Centro Tecnológico de Modelagem Ambiental da Universidade Federal de Minas (UFMG) e especialista em mineração,o pesquisador Raoni Rajão criticou a medida:
— Como se não bastasse o retrocesso da queda dos vetos do PL do licenciamento,agora o Congresso insere esse “jabuti” na MP da Licenciamento Ambiental Especial. Isso vai aumentar ainda mais a especulação com os títulos,mantidos muitas vezes sem nenhuma intenção de efetivamente atuar na área,mas sim para revenda futura.
Fontes da ANM ouvidas pela reportagem relatam que o prazo atual,de até um ano,raramente é cumprido. O principal motivo é o déficit de funcionários,que dificulta as fiscalizações.
— Não acontece muito (caducar o título),pois temos que ter pessoal incumbido de aplicar os autos de infração,esperar a defesa,analisar e,se for o caso,multar. E depois fazer tudo novamente,em um prazo de um ano. Tem que ter sistemas e pessoal para acompanhar as situações,mas isso não ocorre hoje — relatou um fiscal da agência sob anonimato.
Durante os debates no Congresso,a Licença Ambiental Especial (LAE),eixo central da MP,ganhou o apelido de “emenda Alcolumbre”,em referência ao presidente do Senado,Davi Alcolumbre (União-AP),principal fiador da possibilidade de emitir autorizações especiais mais rapidamente. Quando Lula vetou vários pontos do novo licenciamento,esse dispositivo não só acabou mantido,como foi saudado como uma “inovação importante” pelo Planalto.
O presidente,porém,havia barrado o licenciamento monofásico da LAE na MP que enviou ao Parlamento. A proposta do governo federal,ainda assim,mantinha o conceito geral,garantindo rito de no máximo um ano.
No parecer,o próprio Zé Vitor reconhece que sua análise levou em conta a recomposição feita pelo Parlamento ao retomar dispositivos barrados por Lula e escreve que considerou a “rejeição dos vetos materializada em sessão do Congresso Nacional”. Antes de responder às críticas do governo,o relator ressaltou que não alterou o trecho da MP que trata da LAE,cujo objetivo é agilizar a análise de empreendimentos considerados estratégicos,mas mantendo as três fases tradicionais do licenciamento e a exigência de estudo de impacto.
— A LAE está exatamente com o texto deles,não têm do que reclamar. A gente nunca quis fazer resistência — sustentou o deputado.
Zé Vitor também detalhou o acordo político fechado com a senadora Tereza Cristina (PP-MS),uma das principais articuladoras do texto original do licenciamento. Segundo ele,o entendimento foi criar uma lista objetiva de características que autorizem o uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio porte — como baixo potencial poluidor,área já modificada ou ausência de impacto cumulativo. Esse tipo de licença é concedido de forma simplificada e inclui autodeclaração pelo empreendedor. Ao tratar deste dispositivo,o deputado citou especificamente o setor de mineração:
— Fizemos um acordo com a senadora Tereza para construir uma lista de características que permitam que empreendimentos de médio porte sejam licenciados por LAC. E mineração não pode entrar. Mineração não se licencia por LAC em hipótese nenhuma — afirmou,indicando que essa e outras atividades de maior risco ambiental continuarão exigindo estudos completos e licenciamento tradicional.
Segundo o relator,também ficam automaticamente fora da LAC projetos que envolvam remoção de população,áreas de preservação permanente,unidades de conservação,terras indígenas,territórios quilombolas e outros casos de impacto elevado ainda em avaliação técnica.
Apesar do discurso conciliador,o relatório reincorpora trechos que o Planalto havia barrado para preservar salvaguardas ambientais. Um deles é a autorização para aproveitamento de estudos ambientais anteriores,veto central de Lula por risco de análises desatualizadas. O texto permite que o órgão licenciador reaproveite diagnósticos já produzidos e “informações oriundas de sistemas de monitoramento remoto”.
Outro ponto restaurado é a dispensa de licenciamento para dragagens de manutenção em hidrovias e vias naturalmente navegáveis. O governo havia vetado esse dispositivo por entender que ele reduz o controle sobre obras com potencial de gerar impactos cumulativos. O relatório restabelece a redação aprovada pelo Congresso: apenas dragagens em portos e canais de acesso seguem sujeitas à licença.
O parecer também recoloca a regra que dispensa nova manifestação ambiental para alterações operacionais em sistemas de radiodifusão e telecomunicações previamente licenciados.
Por fim,a LAC surge ainda mais central na nova versão. Lula havia vetado trechos que ampliavam o uso da modalidade simplificada,sobretudo no saneamento. O texto do relator retoma o modelo mais flexível ao recriar a lista de exceções e ao restringir a exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) a “situações excepcionais”. Esses ajustes reabrem pontos que o governo considerava essenciais para manter um padrão nacional de licenciamento,preservar biomas sensíveis e limitar autodeclarações.
Estudos anteriores - O texto inclui a autorização para aproveitamento de estudos ambientais anteriores,veto central de Lula por risco de análises desatualizadas.
Dragagens - Outro ponto restaurado é a dispensa de licenciamento para dragagens de manutenção em hidrovias e vias naturalmente navegáveis.
Telecomunicações - O parecer recoloca a regra que dispensa nova manifestação ambiental para alterações operacionais em sistemas de radiodifusão e telecomunicações.
Autoemissão - O relator retoma o modelo mais flexível da licença autoemitida ao recriar exceções e ao reduzir a exigência de Estudo de Impacto Ambiental.