2025-08-12
HaiPress
O fóssil era tão completo que os pesquisadores souberam que haviam encontrado algo novo. — Foto: Divulgação/The Proceedings of the Geologists' Association
GERADO EM: 11/08/2025 - 07:00
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Cerca de 145 milhões de anos atrás,a região onde hoje fica Dorset,na Inglaterra,era coberta por uma lagoa de água doce. O ambiente fervilhava de dinossauros,pterossauros,crocodilos e tartarugas. Entre essas criaturas,espreitava um pequeno animal peludo,dono de dentes extremamente afiados.
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No mês passado,cientistas descreveram essa espécie de mamífero pré-histórico na revista The Proceedings of the Geologists' Association. Ele foi batizado de Novaculadon mirabilis — “novacula” é a palavra latina para “navalha”.
“Os pré-molares formam uma lâmina cortante bastante afiada”,explicou Steven Sweetman,paleontólogo da Universidade de Portsmouth e um dos autores do estudo. Segundo ele,o animal era provavelmente onívoro,com dentes adaptados para processar vegetais,mas também capaz de comer carne.
Do tamanho aproximado de um camundongo,o Novaculadon pertencia à ordem dos multituberculados — mamíferos primitivos que receberam esse nome devido aos “tubérculos” arredondados,ou protuberâncias,em seus dentes. Esse foi um dos grupos mais bem-sucedidos da era Mesozoica,convivendo com os dinossauros. Embora não fossem parentes de camundongos e ratos,provavelmente ocupavam nichos ecológicos semelhantes: serviam de presa fácil para predadores,ajudavam a dispersar sementes e controlavam populações de insetos,sempre atentos para evitar as pesadas pegadas dos saurópodes errantes.
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Um especialista trabalha na montagem do esqueleto de um dinossauro Apatosaurus — Foto: STEPHANE DE SAKUTIN/AFP
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Dinossauro Apatosaurus chamado "Vulcain",está no castelo de Dampierre antes do leilão — Foto: STEPHANE DE SAKUTIN/AFP
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Parte interna do esqueleto — Foto: STEPHANE DE SAKUTIN/AFP
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Esqueleto será o maior dinossauro do mundo a ser leiloado — Foto: STEPHANE DE SAKUTIN/AFP
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Herbívoro que tinha mais de 20 metros de comprimento e pesava cerca de 20 toneladas em vida — Foto: STEPHANE DE SAKUTIN/AFP
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Esqueleto possui uma protuberância na base da cauda,provavelmente resultado da mordida de um predador. — Foto: STEPHANE DE SAKUTIN/AFP
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O fóssil do Novaculadon foi encontrado em uma rocha na praia de Dorset. A mandíbula,quase completa,preservava a maioria dos dentes — incluindo um incisivo robusto e pré-molares —,mas não os molares. Para analisá-lo,os pesquisadores recorreram a tomografia computadorizada de raios X,que permitiu isolar digitalmente os dentes sem risco de danificar o frágil material.
O estado de conservação surpreendeu. A mandíbula provavelmente pertencia a um animal que morreu nas proximidades e não sofreu danos durante o transporte por rios ou outros cursos d’água. Trata-se da primeira mandíbula multituberculada substancialmente completa encontrada desde a década de 1850,quando o advogado e caçador amador de fósseis Samuel Beckles realizou uma escavação em larga escala no Grupo Purbeck,revelando diversas espécies de mamíferos,além de tartarugas,crocodilos e dinossauros herbívoros. O novo fóssil foi encontrado em uma camada geológica mais jovem do que as estudadas por Beckles há mais de 170 anos.
“Não se parecia com nenhuma das formas encontradas na época vitoriana”,afirmou Sweetman. O Novaculadon,possivelmente noturno,poderia ter um comportamento semelhante ao do rato marrom atual,comum na Inglaterra. A descoberta mostra como esses pequenos mamíferos conseguiram construir um nicho ecológico que lhes permitiu sobreviver por milhões de anos,ultrapassando o fim da era dos dinossauros.
“Não se tratava de uma criatura dócil e patética — era um animal bem adaptado ao seu estilo de vida”,disse Steve Brusatte,paleontólogo da Universidade de Edimburgo,que não participou do estudo. Segundo ele,os mamíferos daquele período eram especialistas em viver no subsolo.
Essa estratégia,que combinava vida subterrânea e deslocamento por vegetação rasteira,ajudou a linhagem a atravessar a extinção em massa do Cretáceo-Paleógeno,há 66 milhões de anos,quando três quartos das espécies do planeta — incluindo os dinossauros não aviários — desapareceram.
O registro fóssil já identificou mais de 200 espécies de multituberculados,espalhadas por quase todos os continentes e variando do porte de um camundongo ao dos Taeniolabidoidea,que chegavam ao tamanho de um castor. O enigma é entender como conseguiram sobreviver até cerca de 30 milhões de anos atrás,para depois desaparecerem com o avanço de outros mamíferos.
Pesquisas anteriores sugerem que mudanças ambientais levaram ao declínio do grupo,que teria sido superado por roedores. Já a paleontóloga Ornella Bertrand,do Instituto Catalão de Paleontologia Miquel Crusafont,na Espanha,acredita que outras linhagens possam ter levado vantagem por proteger melhor seus filhotes.
A questão segue em aberto. “Ao sobreviverem à extinção dos dinossauros,esses animais conquistaram algo que pouquíssimos mamíferos conseguiram”,disse Bertrand. “Por isso,é muito estranho que não tenhamos multituberculados hoje.”