Martine Grael reflete sobre pressão de gênero e peso do sobrenome: 'Meu pai não ia nas minhas competições'

2025-04-27 HaiPress

Martine Grael — Foto: Rag Dutra

RESUMO

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GERADO EM: 25/04/2025 - 12:20

Martine Grael: Desafios de Gênero e Legado no Mundo da Vela

Martine Grael,renomada velejadora,reflete sobre desafios de gênero e a influência do sobrenome. Primeira capitã mulher na história do SailGP,ela carrega o legado da família Grael e já conquistou duas medalhas de ouro olímpicas. Apesar da pressão,Martine mantém o foco no esporte e inspira futuras gerações,destacando-se como embaixadora da Rolex. O cancelamento da etapa do SailGP no Rio foi um contratempo,mas ela segue determinada.

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Ela carrega no nome de batismo seu maior prazer e,no sobrenome,uma dinastia. É mar e Grael,tudo ao mesmo tempo,na batida de uma onda,tradição de família. A velejadora Martine Grael,filha de Torben,dono de cinco medalhas olímpicas no iatismo,já conquistou as suas duas de ouro na competição — nos Jogos do Rio,em 2016,e de Tóquio,em 2020. E,aos 34 anos,segue com o vento a favor. Martine é a primeira mulher a ocupar o posto de capitã de um barco na história do SailGP,espécie de Fórmula 1 da vela. É também a primeira brasileira embaixadora da Rolex,um título que,no universo masculino,contempla o tenista Roger Federer,a lenda do golfe Tiger Woods,o cineasta Martin Scorsese e o ator Leonardo DiCaprio. “As mulheres estão aparecendo cada vez mais. Chegaram a um alto nível profissional. Como capitã do Mubadala Brazil SailGP Team,sou responsável por tudo o que acontece na água. Passo o tempo todo tomando decisões e posições estratégicas. Como embaixadora,tenho que ser eu,ser ética,passar exemplo de boas atitudes”,diz.

Martine também é campeã mundial de iatismo na classe 49er FX,ao lado de Kahena Kunze,que,por sinal,considera a liderança da parceira uma qualidade: “Ela sempre foi uma pessoa safa,muito menina do mar,lida bem com as adversidades,e isso me inspira de uma maneira que me fez crescer na vela”.

O sucesso não tira seus pés do chão nem do mar. Os seis frascos de protetor solar que a atleta gasta por ano são algumas das raras compras no departamento de beleza da farmácia. Maquiagem? Só em casamento — ou em raros ensaios fotográficos,como o que ilustra essas páginas nas águas da Guanabara. E os tênis vão ganhando a disputa com os saltos,cada vez mais em extinção na sapateira da casa em Búzios,onde mora a niteroiense. “Não cuido do cabelo,não faço unha,não cuido da pele. Eu me depilo quando quero,não para alguém. É para mim. E estou mudando minha relação com o salto alto. Não vou usar mais. Começo a não ver muito sentido em uma mulher ser bonita para o homem. Eu uso,sim,protetor solar. Mas só no rosto”,destaca.

Martine Grael — Foto: Rag Dutra

Com o coração há quatro anos ancorado na onda do italiano Simone Ferrarese,também velejador,Martine nunca quis ser mãe,mas deixa para desaguar no futuro a possibilidade. As lembranças da infância até que são inspiradoras. A mãe,Andrea Soffiatti,também iatista,levava a caçula,de 4 anos,e o primogênito Marco,de 6,para inesquecíveis passeios de barco. O primeiro perrengue aconteceu na adolescência,quando,durante um desses passeios com os pais,a maré não estava para peixe. Martine enjoou muito. E foi assim,já tão cedo,que descobriu sua resistência ao cheiro do diesel,uma fraqueza que,por mais difícil de acreditar,acompanha a velejadora até hoje. “Eu tinha uns 12 anos e,voltando de Ilhabela (no litoral de São Paulo),uma viagem para a qual a gente não tinha se preparado bem e sentiu muito frio,eu passei mal por causa do cheiro do diesel. Ali,aprendi o que me causa enjoo. Junta o cheiro e o balanço,e aí,quando começa,não tem remedinho que dê jeito.”

A descoberta não queimou as pretensões de Martine em relação à vela. Coisa pequena para uma menina que,na infância,já convivera com a dor do tio famoso Lars Grael,velejador com dois bronzes olímpicos no currículo. Martine tinha sete anos quando ele teve a perna direita decepada ao ser atropelado por uma lancha na praia de Camburi,em Vitória,em 1998. Um acidente que deixou o país em choque. “A notícia veio aos poucos”,ela lembra. “Primeiro,soube que ele tinha sofrido um acidente e estava hospitalizado. A questão naquele momento não era o que tinha acontecido,mas se ele iria sobreviver. Lembro que minha avó quase teve um treco. Só soube de tudo bem mais tarde. E entendi que tinha sido um atropelamento,inconsequência de um cara que bebeu.”

O drama de Lars Grael talvez tenha ajudado a moldar a personalidade de Martine. Ela é corajosa,não teme acidentes,embora respeite o mar e a natureza. Convive numa boa com os tubarões ao seu redor,mas não mergulha na Austrália de jeito nenhum. “Riscos existem. Você pode engasgar com uma ervilha. A estatística de morte na vela é muito baixa,mas a gente não pode dizer que não há. Velejadores respeitam o mar. A natureza é muito maior do que a gente. Tento entender o lugar em que decido tomar banho,por exemplo. Sou um pouco fria,analítica. Não deixo de cair na água se me disserem que um dia alguém viu um tubarão ali. Não há um lugar que não tenha tubarão! Mas,na Austrália,não dou mole.”

Martine Grael — Foto: Rag Dutra

Martine não dá bobeira também com sua preparação física. Conhece de perto as dores,convive bem com elas,como todo atleta de alto rendimento. “Sempre tive muita sorte... Só lesões pequenas. O esporte profissional não é nada saudável,pois nós puxamos sempre um pouco acima. Esporte só é saudável no lazer. Eu já tive dores do pé ao fio de cabelo. Minha preparação física é focada em não me quebrar. É preparar o joelho,a lombar,o ombro,fortalecer tudo para não me quebrar.”

A dor maior é não poder competir por alguma razão. Ela está,por ora,tentando levantar o astral depois do cancelamento da etapa brasileira do SailGP,que seria disputada nos próximos dias 3 e 4,no Rio. A identificação de um defeito nas velas-asas da frota de catamarãs F50 motivou a decisão dos organizadores e causou frustração. “Quase entrei em negação. O Rio estava muito preparado para essa competição,mas eu entendo a questão da segurança”,diz ela,resignada,já apontando sua bússola para a próxima etapa do circuito,em junho,nos Estados Unidos.

O ex-velejador olímpico Alan Adler,responsável pela escolha de Martine para ser a capitã da equipe brasileira da qual ele é CEO,destaca a importância da participação da velejadora,como líder,no torneio: “Ela é,hoje,o maior nome da vela brasileira e uma referência incontestável no esporte. Ser a primeira mulher a assumir o comando de um barco reforça não apenas sua posição de destaque como atleta,mas também o compromisso da Liga com a equidade de gênero. Ter uma bicampeã olímpica como nossa capitã mostra o tamanho das nossas aspirações para esse campeonato. E,muito mais do que isso,a presença da Martine em uma competição global abre muitas portas e inspira novas gerações de meninas,no Brasil e fora dele.”

Martine Grael — Foto: Rag Dutra

O leme da vida de Martine prioriza sempre treinos e competições,mas,se sobra tempo,não é raro vê-la praticando esportes por puro prazer. Ela herdou alguns hobbies de ex-namorados,com os quais teve boas experiências de vida. “Faço várias coisas. Comecei um hobby com cada namorado: mountain bike com um,surfe com outro,escalada... Os namorados foram,e eu fiquei com todos os hobbies. Mas a verdade é que não tenho rotina. Passo mais tempo na água mesmo. Nas viagens,aviões e trens,aproveito para estudar,analisar vídeos (de competições) e dados. Quando é possível,gosto de sair com amigos que não têm nada a ver com vela. Adoro conhecer pessoas aleatórias,entender como gira a vida delas. Tenho uma curiosidade infinita em saber como funciona o mundo.”

Mas é impossível emergir por muito tempo do fundo do seu universo,capitaneado pelo bisavô Preben Schmidt,dinamarquês nascido no século XIX,que deu início ao mapa genealógico da família. Um dos precursores da vela no Brasil,ele chegou ao Rio em 1924 e foi o principal responsável pela tradição dos Schmidt Grael no esporte. É tanta gente,entre primos e antepassados,que Martine nem sabe contabilizar quantos velejadores tiveram origem nessa genética. O DNA que a fez crescer anônima e pouco notada aos poucos foi se materializando em troféus na estante de casa.

O pai,Torben Grael,um dos maiores nomes do esporte olímpico brasileiro,com dois ouros,uma prata e dois bronzes,muitas vezes se afastou para que Martine pudesse tocar o barco sozinha,sem cobranças. Deu certo. “Ela sempre soube aproveitar o lado bom disso em vez de se incomodar com a pressão ou as comparações. Além de ser extremamente focada,tem uma dedicação grande aos treinos e uma boa dose de confiança”,elogia Torben. A velejadora admite: de fato,sempre preferiu desbravar seus mares a ancorar na fama da família. “Quando pequena,eu era a filha da Andrea e do Torben. Eu não era a Martine. Foi dentro da vela que comecei a ser a Martine. E,olha,meu pai nunca quis interferir. Ele só comenta algo quando eu pergunto,e sempre foi assim,desde que eu era pequena. Ele nem ia nas competições,para não se meter. Sempre foi muito fofo”,diz Martine,matando no peito a responsabilidade de misturar nas águas mar e Grael,indissociáveis no nome de batismo e no sangue da família.

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