2025-02-21
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Câmera de segurança privada que usa inteligência artificial na Rua Frei Caneca,em São Paulo: imagens são compartilhadas com a polícia — Foto: Edilson Dantas
GERADO EM: 20/02/2025 - 22:18
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É uma mudança que vai além das entradas dos prédios. Equipados com inteligência artificial,os totens com câmeras de segurança que se espalharam nos condomínios do Rio antes de chegarem a São Paulo também passam a órgãos de segurança pública informações que ajudam a prevenir crimes. Mas essa conexão levanta um debate sobre proteção de dados e limites da atuação privada em uma atividade de Estado.
Segurança privada na porta de delegacia: 20ª DP,em Vila Isabel,instala câmeras de empresa particularVídeo: Dupla que assassinou ciclista em São Paulo estaria envolvida em outro roubo no mesmo dia
Diferentemente do monitoramento tradicional,que apenas grava o que se passa na entrada dos prédios,as câmeras dos novos totens identificam atividades suspeitas,rostos e placas de veículos,graças à IA. Os equipamentos são integradas a centrais de monitoramento que podem repassar essas informações à polícia.
Uma das empresas mais presentes nas duas capitais é a Gabriel,que já instalou 10,5 mil câmeras no Rio e em São Paulo. Fundada em 2020,o empreendimento recebeu aportes milionários — em 2021,levantou R$ 66 milhões da SoftBank Canary e outros fundos,além de outra rodada de R$ 35 milhões liderada por Astella e Qualcomm Ventures em 2024. Com isso,conseguiu crescer ao mesmo tempo no Rio e em São Paulo,ao contrário das concorrentes.
Equipamento na Barra da Tijuca (RJ) da Gabriel,que também opera em SP — Foto: Guito Moreto
Diretor executivo e co-fundador da Gabriel,Eric Coser afirma que as imagens captadas pelo sistema “camaleão”,como é chamado o totem da marca,já ajudou na resolução de 8,7 mil crimes,com 524 pessoas presas e oito inocentadas.
A tecnologia rendeu uma parceria com a Polícia Militar do Rio de Janeiro. Os carros da PM recebem alertas sempre que as câmeras da Gabriel registram uma placa de carro roubado,e a corporação tem acesso em tempo real aos monitoramentos da empresa.
— Nossa ideia é colocar câmeras para conseguir ver o espaço urbano inteiro,gerar inteligência das ruas para que o aparato de segurança pública funcione da melhor forma possível — diz Coser. — Metade dos crimes que ajudamos a solucionar chegou pela polícia. Com um boletim de ocorrência e sabendo que a gente tem câmera na região,a Polícia Civil pede e a gente compartilha imagens. Outros 40% foram notificados pelos próprios clientes da Gabriel. E 10% são de pessoas que estão na rua,são vítimas ou testemunham um crime,e pedem ajuda das imagens.
Uma das salas de monitoramento das câmeras da Cosecurity — Foto: Edilson Dantas
O avanço dessas tecnologias é questionado por Pablo Nunes,pesquisador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania,para quem soluções privadas a problemas públicos são problemáticas.
— A gente tem uma resposta ruim a um problema sério,que cria ainda mais ruído quando essas soluções não são acompanhadas de uma regulamentação que diga exatamente quais são os limites,as possibilidades de uso e a responsabilização caso haja mau uso desses sistemas — critica.
A parceria da Gabriel com a polícia ajudou na investigação do latrocínio do ciclista Vitor Medrado,no Itaim Bibi,em São Paulo,no dia 13. As câmeras mostraram parte do trajeto da dupla de criminosos antes de chegarem ao local do crime,e identificaram outra ocorrência em que a mesma moto foi usada e a placa do veículo.
Parcerias semelhantes à da Gabriel foram feitas pela CoSecurity,do grupo Haganá,fundada por Luciano Caruso em 2021. A empresa colabora com os programas Smart Sampa,na capital,e Muralha Paulista,da Secretaria estadual de Segurança Pública.
Quando seus sistemas alertam para um crime,a CoSecurity aciona a polícia. Mas a empresa também faz análises dos crimes mais comuns em uma região e leva esses dados para as delegacias mais próximas. Representantes da empresa costumam participar de reuniões com associações de bairro e conselhos comunitários de segurança. No Carnaval,as imagens da CoSecurity serão transmitidas em tempo real no Centro de Comando da Polícia Militar paulista. Quem está na rua e precisa de ajuda para uma ocorrência também pode acionar a empresa,por meio de um QR Code instalado nos totens.
— A gente faz um trabalho voluntário de segurança pública. Faz um mapa de calor dos crimes,junta o relatório e leva na Secretaria de Segurança Pública,fornece material para a mídia,porque ajuda a sensibilizar sobre determinada região. Quem acha que é só colocar um totem com três câmeras está completamente enganado — diz Caruso.
Câmera privada em Jacarepaguá,na Zona Oeste do Rio — Foto: Guito Moreto
O caminho contrário também ocorre: policiais civis podem pedir à empresa dados registrados pelos totens,mediante a apresentação de um boletim de ocorrência.
A RS Serviços,que há quase 20 anos oferece serviços de zeladoria e segurança para condomínios residenciais,lançou em 2021 seus totens de segurança,o serviço RS Vigia,com 2 mil câmeras.
— Elas detectam situações potenciais de risco. Por exemplo,identificar uma aglomeração por muito tempo,ou alguém que passou várias vezes no mesmo lugar — diz o consultor Márcio Rachkorsky.
A empresa prevê parcerias com a polícia e a Guarda Municipal para fornecer rostos identificados com bases de dados como bancos de desaparecidos ou de foragidos e informações de placas de carros.
No Rio,bairros como Ipanema e Leblon,na Zona Sul,e Barra da Tijuca,na Zona Oeste,concentram a maior parte das câmeras — a maioria da Gabriel. Mas há uma presença forte também na Zona Norte,e até mesmo uma delegacia com a vigilância — uma câmera da Gabriel foi instalada em frente ao 20º DP em Vila Isabel.
Em São Paulo,bairros como Itaim Bibi,Vila Nova Conceição,Pinheiros,Vila Mariana e Paraíso têm esses totens,que chamam a atenção pelas cores variando do branco e azul ao verde e amarelo. Eles costumam ficar mais próximos do recuo do prédio ou na ponta externa das calçadas. As empresas dizem que atendem de bairros mais ricos aos mais pobres.
Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP,Alcides dos Reis Peron afirma que há um protagonismo dividido entre público e privado com o avanço dessas empresas. Ele recomenda deixar claro os “limites das forças privadas” e um tratamento de dados cuidadoso.
— Não pode ter vazamentos,pois se está lidando com banco de dados de atividades criminais ou de potenciais suspeitos,dados sensíveis como biometria facial. Qual é a responsabilidade que essas empresas têm e a garantia de que esses dados não vão ser vazados ou usados para outros fins? Há potencial de risco se a empresa faz um gerenciamento mal organizado,se as responsabilidades são muito amplas — afirma.
As empresas dizem que seguem a Lei Geral de Proteção de Dados,só passam aos policiais por comunicações oficiais e e há controle de acesso aos registros de suas câmeras. O tempo de armazenamento varia de sete a 30 dias.
A Secretaria Municipal de Segurança Urbana de São Paulo informou que o Smart Sampa tem 5,4 mil câmeras privadas integradas à plataforma e todos os convênios respeitam as regras de um edital público de 2024. A Secretaria da Segurança estadual de São Paulo diz que “está em andamento” a integração dos equipamentos municipais ao programa Muralha Paulista. A Polícia Militar do Rio não se pronunciou.
Gabriel: Dispõe de 10,5 mil câmeras no Rio e em São Paulo e tem parceria com a PM fluminense. Todas as câmeras são conectadas à internet via 4G e têm inteligência artificial para reconhecer padrões de comportamentos suspeitos que possam indicar delitos,além de reconhecer placas de veículos.CoSecurity: Tem 6,5 mil câmeras na capital paulista,300 em Curitiba e algumas unidades no Rio. Em São Paulo,a empresa mantém parcerias com o Smart Sampa,e o Muralha Paulista,da Secretaria de Segurança do estado. A empresa faz análises dos crimes mais comuns em determinada região e leva esses dados para delegacias mais próximas.RS Serviços: A empresa com 20 anos de atividade em segurança lançou em 2021 o RS Vigia,que mantém 2 mil câmeras em São Paulo. Os equipamentos têm inteligência artificial capazes de identificar possíveis delitos e há uma central de monitoramento 24 horas para alertar a polícia sobre crimes.White: Opera em São Paulo,no Rio,em Curitiba,no ABC paulista e em São José dos Campos,com cerca de 2,1 mil torres de câmeras que fazem reconhecimento facial,leem placas de veículos e detectam atividades suspeitas.