2025-02-17
IDOPRESS
Arte sobre o uso de testes genéticos na nutrição. — Foto: Arte / O GLOBO
GERADO EM: 14/02/2025 - 21:27
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Há cerca de 20 anos,em 2003,pesquisadores sequenciaram pela primeira vez o genoma humano,o conjunto do DNA que armazena todas as informações genéticas de um indivíduo. Desde então,a medicina avançou em ritmo acelerado,levando a criação de testes que identificam mutações nesse código e tornando essa análise cada vez mais acessível.
Com isso,hoje é comum encontrar empresas que oferecem exames do tipo com os mais diversos objetivos,porém nem todos com embasamento científico. É o caso de promessas de criação de dietas personalizadas a partir de testes genéticos que supostamente poderiam otimizar a absorção de nutrientes,auxiliar o emagrecimento e até mesmo prevenir doenças.
Promessas que,embora atraentes,não se mostraram possíveis de serem cumpridas nos estudos científicos conduzidos até agora,diz Larissa Costa,especialista em Genética Médica pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM):
— Esses testes avaliam basicamente polimorfismos genéticos,que são variações nos genes,porém muito frequentes na população humana e que não vão causar nenhuma repercussão clínica. E os estudos que buscam avaliar os efeitos de dietas personalizadas de acordo com os resultados dos testes são muito limitados,não temos bons trabalhos que indiquem de fato uma melhora no paciente por causa dessa medida.
Ela explica que é possível que as pessoas sintam benefícios ao seguir essa prática,porém provavelmente ocorrem apenas por estarem se alimentando melhor,e não necessariamente por uma relação da dieta com os genes.
— O que sabemos que talvez possa ajudar um pouco é o efeito placebo. O paciente paga caro naquele teste,muda sua alimentação,acaba seguindo melhor a nova dieta,porque ela foi feita por um profissional,e com isso vê melhoras. Mas as evidências científicas não apontam que adaptar a dieta de acordo com os testes genéticos tenha um efeito — afirma.
Ainda assim,Larissa conta que tem crescido o números de pacientes que manifesta interesse na possibilidade e de profissionais que oferecem serviços do tipo. É o que tem observado também a presidente da SBGM e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),Ida Schwartz:
— Todo mundo tem os mesmos genes,mas eles são compostos por combinações diferentes de quatro letras,e a sequência delas pode variar entre cada um. É isso que nos faz únicos. Nós temos 99% dessa sequência igual,mas uma parte é diferente. Os testes analisam essa sequência de alguns genes para entender o que a pessoa tem de diferente em relação a um padrão. Antigamente esses testes eram extremamente caros,de difícil acesso. Hoje,com a melhora da tecnologia,eles são muito mais acessíveis. Mas isso não significa que devem ser banalizados.
A SBGM defende que os testes deveriam ser acessados apenas a partir de um pedido médico feito por um especialista. Hoje,alguns exames são ofertados diretamente ao consumidor,o que não é recomendado pelos especialistas.
— A maioria dos pesquisadores da área são contrários a isso. O entendimento é que os testes devem ser requisitados por um profissional de saúde que vai utilizar dentro de um contexto. O preconizado é que sempre antes de realizar um teste genético,e depois de receber o resultado,a pessoa faça um aconselhamento genético com o médico geneticista. Mas o que vemos na prática são testes pedidos por profissionais que não têm essa capacitação — diz Ida.
Em relação à nutrigenômica,área que estuda essa relação entre o DNA e a alimentação,as geneticistas explicam que há somente alguns casos em que de fato um teste genético pode influenciar com sucesso a alimentação: o de doenças que fazem parte de um grupo chamado de erros inatos do metabolismo.
— É quando há uma mutação no gene do paciente que leva a ele não conseguir metabolizar determinada substância. Fenilcetonúria,por exemplo,é uma doença genética que faz com que a pessoa não possa consumir a fenilalanina porque não produz a enzima que a metaboliza. Casos como esse vamos tratar usando dietas específicas,que evitem essa proteína,mas ela não vai curar a doença,e sim evitar uma descompensação e sintomas mais graves — explica Larissa.
A alimentação,porém,não consegue evitar o desenvolvimento de doenças causadas pelos genes. A presidente da SBGM explica que existem,de forma mais ampla,dois grandes grupos de doenças genéticas: as que são 100% determinadas por uma alteração nos genes,como os erros inatos do metabolismo,e outras que são influenciadas por diferentes mutações em diversos genes,como alguns casos de Alzheimer e colesterol alto.
— Ainda não se sabe quais são todos os genes envolvidos nesses casos e qual o peso de cada um para desencadear a condição. Então para essas doenças,os testes não vão apontar se a pessoa vai ter a doença,mas uma predisposição. E essa utilidade clínica é menor,porque não leva a mudanças práticas que conseguem mudar isso — explica.
Mesmo que não consigam eliminar a influência desses genes,as especialistas afirmam que dietas consideradas saudáveis,assim como outros bons hábitos de vida,conseguem evitar problemas de saúde de um modo geral. Com isso,podem reduzir o risco daquelas que têm uma predisposição genética,ou seja,não são definidas por uma única mutação.
Mas Larissa lembra que os testes que indicam essa predisposição em primeiro lugar devem ser feitos apenas mediante aconselhamento genético de um profissional habilitado,porque analisam informações irreversíveis sobre o código genético da pessoa.
— Existem testes de predisposição e testes de portador,quando sei que existe uma mutação em um gene na minha família e quero saber se sou portador daquela condição. Mas são feitos de forma direcionada para o contexto daquele paciente,seu histórico pessoal e familiar. Precisam ser muito bem explicados para o paciente.