Desde o fim da Guerra Fria, risco nuclear jamais foi maior do que em 2024. O cenário futuro não é nada animador

2024-12-31 HaiPress

Imagem de teste de míssil balístico intercontinental (ICBM) russo — Foto: Ministério da Defesa da Federação Russa / AFP

RESUMO

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GERADO EM: 30/12/2024 - 14:23

Risco Nuclear em 2024: Tensão Global e Ameaças Crescentes

O risco nuclear em 2024 é o mais alto desde a Guerra Fria devido a novos atores e retóricas agressivas. A ausência de acordos de controle aumenta a perigosidade,com destaque para a Rússia e suas ameaças nucleares. O mundo enfrenta múltiplas crises,incluindo a Coreia do Norte e a China,com um cenário de escalada preocupante. O fim do último acordo de controle de armas nucleares se aproxima,enquanto a retórica belicosa e a falta de diálogo entre potências elevam a tensão global.

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“O perigo de um choque armado direto entre potências nucleares não pode ser subestimado,o que está acontecendo não tem análogos no passado,estamos nos movendo por território militar e político inexplorado”,afirmou,de forma surpreendentemente sincera,o vice-chanceler russo,Sergei Ryabkov,em novembro.

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Naquele mesmo dia,o presidente Vladimir Putin havia sancionado mudanças na doutrina nuclear russa,diminuindo os requisitos para usar o maior arsenal atômico do planeta.

O caso russo não foi isolado. No ano em que o Relógio do Juízo Final começou mais perto do que nunca do fim dos tempos,a 90 segundos da meia-noite,as potências nucleares deram passos perigosos — retóricos e práticos —,revivendo temores dos tempos da Guerra Fria. E o cenário para os próximos anos não é nada animador.

— Acredito que os riscos do uso de armas nucleares são maiores hoje do que em qualquer outro momento desde o final da década de 1980 — declarou ao GLOBO Steve Fetter,professor da Universidade de Maryland e integrante do Conselho de Ciência e Segurança do Boletim de Cientistas Atômicos,responsável pelo Relógio do Juízo Final,que "conta" o tempo até uma guerra nuclear total.

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Para ele,o principal foco de perigo é a guerra na Ucrânia,que completará três anos em fevereiro e que tem dado a Putin uma ampla plataforma para suas ameaças nucleares.

O crescente risco de um confronto com a Otan,a principal aliança militar do Ocidente,serviu de justificativa para o Kremlin aprovar a nova doutrina para o uso de seus arsenais estratégicos. O texto excluiu uma menção,vista na versão de 2020,sobre o uso “exclusivo” de armas nucleares como ferramenta de dissuasão,e apontou que esses armamentos poderiam ser usados diante de uma “agressão contra a Federação Russa por Estados não-nucleares com o apoio de um Estado nuclear”.

Há ainda uma vaga menção à proteção da soberania russa,um tema igualmente recorrente do discurso bélico de Putin — o texto de 2020 falava em “ameaça à existência” do Estado.

— A soberania é muito mais fácil de ser ameaçada que a existência do Estado. Então ele diminuiu esse limite,ou a linha vermelha que precisaria ser ultrapassada para que seja usada uma arma nuclear — afirmou ao GLOBO Layla Dawood,professora de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Muitos apontam que a retórica não passa de um blefe. Mas o lançamento de um míssil balístico contra a Ucrânia,o Oreshnik (“avelã”,em russo),que tem capacidade de levar ogivas nucleares,acendeu alertas.

— O uso operacional de um novo míssil russo de alcance intermediário é significativo principalmente como um dispositivo de sinalização — disse Fetter. — É mais uma de uma série de tentativas da Rússia de levantar preocupações em países da Otan sobre a possibilidade de escalada nuclear. Mas é mais um sinal de fraqueza do que de força,porque é um método muito caro e ineficiente para lançar armas convencionais.

Múltiplas crises

Mas Fetter alerta que a Rússia e seus problemas na Ucrânia são apenas parte do problema. A Coreia do Norte,que tem cerca de 50 ogivas,de acordo com a Associação para o Controle de Armas (ACA),modernizou seus mísseis (possivelmente com o apoio da Rússia) e elevou o tom agressivo em relação a Seul. Índia e Paquistão,que assim como o regime norte-coreano não integram o Tratado de Não-Proliferação,vivem um ambiente de tensão permanente.

Israel,que jamais negou ou admitiu ter armas nucleares,viu um ministro sugerir publicamente jogar uma bomba atômica na Faixa de Gaza — ele acabou suspenso —,e tem um primeiro-ministro determinado,a qualquer custo,a evitar que o Irã militarize seu programa atômico. E países que não têm arsenais,como Coreia do Sul,Japão e o próprio Irã,discutem abertamente esse passo,com apoio popular.

— Todas essas situações aumentam a probabilidade de que armas nucleares possam ser usadas — apontou Fetter.

Perto do fim de dezembro,o Pentágono divulgou um relatório mostrando um salto qualitativo e quantitativo do arsenal nuclear da China,o terceiro maior do planeta: em 2020,afirma o texto,Pequim tinha 200 ogivas. Hoje são 600,e até 2030 o país pode chegar a mil. Há dois anos,o mesmo Departamento de Defesa revelou que o plano dos chineses era chegar até 2023 com 1.500 ogivas.

— Quando você olha para o que eles estão tentando construir aqui,é uma força nuclear diversificada que seria composta de sistemas que vão desde mísseis de ataque de precisão de baixo rendimento até ICBMs (Mísseis Balísticos Intercontinentais),com diferentes opções em basicamente cada degrau da escada de escalada,o que é muito diferente do que eles usam tradicionalmente — disse um representante do Pentágono,citado pela rede americana ABC.

De acordo com números da ACA,há hoje 12.100 ogivas nucleares,sendo que 90% em poder de EUA e Rússia,e por volta de 4 mil prontas para uso. Apesar de ser apenas uma fração do visto no auge da corrida nuclear,63,5 mil em 1985,o cenário hoje traz desafios até maiores do que na Guerra Fria.

— Esta é a primeira vez desde 1974 que Moscou e Washington não conseguem conversar sobre o assunto,no momento em que todas as potências nucleares estão modernizando seus arsenais,e que a China em particular está aumentando o número de ogivas de maneira muito acelerada — disse ao GLOBO Matias Spektor,professor de Política e Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. — É uma situação terrível.

Em cerca de 500 dias,o último acordo de controle de armas nucleares ainda em vigor,o Novo Start,vai expirar e,como apontou Spektor,não há movimentações em Washington e Moscou sobre um novo plano — em 2023,os russos suspenderam sua participação no mecanismo,citando as desavenças com o Ocidente.

— Eles querem nos infligir uma derrota estratégica e atingir nossas instalações nucleares — disse Putin na ocasião. — A esse respeito,sou forçado a declarar que a Rússia está suspendendo sua participação no Tratado de Armas Estratégicas Ofensivas.

Em seu primeiro mandato,Donald Trump,que retornará à Casa Branca no mês que vem,abandonou o Tratado de Forças Intermediárias (INF),e não convenceu Putin a incluir a China em um novo acordo.

— A ausência desses acordos denota uma piora nas relações,e muitas vezes os próprios acordos são usados como uma sinalização — disse Dawood. — Quando Putin fala que vai interromper sua participação no Novo Start,isso é uma ameaça nuclear,ele está usando o acordo dentro de sua estratégia mais ampla de dissuasão.

O retorno de Trump,opina Spektor,também deve ser encarado como um fator de risco. Afinal,a “normalização” da carta nuclear é,em grande parte,culpa do republicano.

— No primeiro mandato de Trump houve uma quebra de um tabu: durante toda a Guerra Fria,jamais um líder fez uma ameaça nuclear,ou seja,nunca o Kremlin e a Casa Branca ameaçaram um ao outro com essas armas — afirmou. — Ele quebrou esse tabu com uma postagem no Twitter (hoje X) no qual fazia uma ameaça nuclear à Coreia do Norte. De lá para cá,evidentemente Putin também fez ameaças do tipo. Por si só,a quebra do tabu verbal é um grande risco.

As únicas vezes em que armas nucleares foram usadas foi há 79 anos,quando os EUA lançaram bombas atômicas contra as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Hoje,os armamentos,mesmo os considerados táticos,possuem um poder destrutivo algumas vezes maior do que aquele explosivo que matou 50 mil pessoas,e cujas cicatrizes se fazem sentir até hoje.

— Por favor,tente imaginar: há 4 mil ogivas nucleares prontas para serem lançadas imediatamente. Isso significa que danos centenas ou milhares de vezes maiores do que os que aconteceram em Hiroshima e Nagasaki podem acontecer imediatamente — disse Tanaka Terumi,representante da Confederação Japonesa de Organizações de Vítimas de Bombas A e H,no discurso em que recebeu o Nobel da Paz em nome da instituição. — Não deixemos que a humanidade se destrua com armas nucleares! Vamos trabalhar juntos por uma sociedade humana,em um mundo livre de armas nucleares e de guerras!

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