2024-08-29 HaiPress
Ronnie Lessa depõe como réu colaborador sobre os mandantes do assassinato de Marielle e Anderson — Foto: Reprodução
GERADO EM: 29/08/2024 - 04:31
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
LEIA AQUI
Cinco anos de prisão levaram o ex-sargento da PM Ronnie Lessa a uma conclusão: a insistência dos mandantes da morte de Marielle Franco (PSOL) em lhe pedirem para manter a vigilância e,consequentemente,executá-la no endereço onde morou com o ex-marido,Eduardo Alves,no Rio Comprido,Zona Norte do Rio,fazia parte de um plano para que a polícia entendesse o crime como passional.
Consolo suspeito: 'Ele conseguiu causar náusea no cara que atirou em Marielle'; diz Lessa sobre o abraço de Rivaldo na mãe da vítimaCaso Marielle:'Casas de massagem,contravenção,milícia,tráfico,tudo tem um preço na polícia'; disse Lessa
A informação foi prestada pelo réu colaborador em seu primeiro depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF),que começou na terça-feira (27/08). Segundo Lessa,que depõe na audiência de instrução e julgamento na ação penal contra os mandantes do assassinato,o endereço na Rua do Bispo,foi repassado a ele por Edmilson Oliveira da Silva,conhecido como Macalé,o intermediário entre ele e os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão,conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) e deputado federal,respectivamente. O ex-sargento afirmou que a pressão para que o "serviço" fosse realizado naquele local partiu do clã Brazão,apesar do policiamento redobrado na área e da dificuldade em encontrar um lugar para estacionar o carro durante o monitoramento.
Caso Marielle: Lessa deixa escapar que está proibido de falar de Rogério de Andrade,cujo teor está sob sigilo
— Se aquele crime acontecesse ali,na Rua do Bispo,o ex-marido seria incriminado. Aquilo se tornaria um crime passional. Iriam colocar a culpa nele — afirmou o delator.
Ronnie Lessa narra como operava esquema de corrupção na polícia
Para Lessa,o fato de a vítima não morar mais no endereço era um sinal de que havia interesse em montar uma farsa,incriminando um inocente,como,segundo ele,a Delegacia de Homicídios costumava fazer na época em que o delegado Rivaldo Barbosa estava à frente da especializada.
Morte após malhar: Lessa diz que Escritório do Crime infiltrou um matador em academia para executar Rogério Mesquita,em Ipanema
— Marielle não morava lá,então,o que ele (Rivaldo) estava esperando era a oportunidade perfeita para embuchar (incriminar) o cara certo,que seria o ex-marido dela. Porque,se ela sai da casa dele ali e morre,quem matou foi o ex-marido,pô! Então,você incrimina só um cara. Eles incriminam políticos! Não tentaram empurrar no Marcelo Siciliano (ex-vereador,primeiro investigado pela DH como mandante da morte de Marielle)? — ressaltou o assassino confesso da vereadora e do motorista Anderson Gomes.
Marielle Franco e seu motorista,Anderson Gomes — Foto: Reprodução
Uma das expressões usadas com frequência pelo delator durante o depoimento tem sido "direcionar o canhão para outro lado". Nesse contexto,ele acusa Rivaldo e a equipe com quem trabalhou na DH de incriminar pessoas inocentes para encobrir os verdadeiros assassinos. Embora ele tenha confessado o assassinato de Marielle,e portanto não seja inocente,Lessa relatou que quase foi vítima de uma farsa para encerrar o caso. Segundo ele,o suposto assalto que sofreu no Quebra-Mar da Barra da Tijuca,um mês e meio após a execução da parlamentar,seria uma armação contra ele. Em sua opinião,o objetivo do criminoso que roubou seu relógio era matá-lo,para que parecesse um latrocínio (roubo seguido de morte).
Caso Marielle: 'Temos promotores,juízes e desembargadores',disse Lessa sobre corrupção que emperrava investigações
— O cara era especializado em roubar Rolex,por que ele veio roubar meu Bulova? Ele estava atrás de um relógio que vale,no mínimo,R$ 50 mil,um Rolex! Não vai se confundir. Outra coisa: eu entreguei o relógio,mas,mesmo assim,ele disparou contra mim,na direção do meu nariz,do meu rosto. Por instinto,eu desviei — relembrou durante o depoimento.
O conselheiro do TCE Domingos Brazão acompanha audiência da penitenciária federal de Porto Velho (RO) — Foto: Reprodução
Conforme o relato de Lessa,o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa,conhecido como Suel,chegou ao local para almoçarem juntos e interveio para socorrê-lo. Lessa disse que Suel teria pedido para o assaltante soltar a arma,mas o criminoso continuou atirando,acertando o ex-bombeiro no braço. Suel revidou,atingindo as costas do bandido. O ex-sargento da PM sofreu um ferimento grave no pescoço,mas sobreviveu.
Caso Marielle: Lessa acredita que arma usada no crime pode ter sido apreendida pela Polícia Civil
Mesmo ferido,o assaltante conseguiu fugir,mas foi capturado em um hospital na Zona Sul do Rio. Segundo Lessa,o criminoso tinha um Cobalt com as mesmas características e placas idênticas ao carro usado na emboscada contra Marielle. Lessa suspeita que a Delegacia de Homicídios,que investigava a morte da parlamentar na época,esteja por trás do suposto assalto:
O deputado federal Chiquinho Brazão assiste audiência,por meio de videoconferência,na Penitenciária Federal de Mato Grosso — Foto: Reprodução
— Não posso garantir,mas também não duvido que tenha sido a DH. Não duvido nada. E,se por acaso,essa suposta tentativa de latrocínio fosse,na verdade,uma tentativa de homicídio? Tenho certeza de que a chave desse carro,flagrado na Zona Sul com esse bandido baleado e preso,teria ido parar no meu bolso. Porque o carro usado na emboscada já tinha sido picotado. Por que esse clone apareceu do nada? O meu suposto assalto ocorreu em 27 de abril de 2018. O Cobalt foi destruído dois ou três dias após o crime. Eu picotei a placa. Quem sabia da placa com certeza? Só a polícia. É muita coincidência — afirmou o delator.
Caso Marielle: 'Sumia-se com estantes inteiras de processos'; diz delator sobre o pagamento para dar fim às investigações
O depoimento de Lessa continua nesta quinta-feira,a partir das 13h,no STF,com as defesas dos réus lhe fazendo perguntas. Após ele,a próxima testemunha será o compadre dele,o ex-PM Élcio de Queiroz. A previsão é de que essa primeira fase termine na próxima semana.